Sabe-se que uma das características mais notáveis atualmente na demografia mundial é o envelhecimento, que tem ocorrido de forma acelerada ao longo do século XXI. O Brasil está entre os países em mais rápido envelhecimento populacional, apresentando percentuais acima dos globais. Mas, será que existem diferenças entre envelhecer no Brasil ou em outras partes do mundo?
Se o envelhecimento fosse determinado apenas por condições subjetivas ou pelos efeitos do tempo talvez a resposta seria não, mas como o ambiente social e político onde a pessoa está inserida também gera efeitos neste processo, inclusive gerando diferentes experiências em um mesmo país a resposta é sim. Desta forma, cabe mais uma pergunta: como tem sido a experiência de envelhecer no Brasil para os mais pobres?
Muitos idosos no Brasil experimentam o envelhecimento em um contexto de poucos recursos e sendo afetados por importantes desigualdades sociais, onde os mais pobres ou com níveis de escolaridade mais baixo tendem a viver em situações mais inadequadas e mesmo precárias.
Em 2020, 69% dos idosos no Brasil viviam com renda mensal de até 2 salários mínimos. E não se trata de uma renda pessoal, pois cada vez mais os idosos têm se tornado a pessoa de referência da família, ou seja, aquela responsável pelas despesas: A porcentagem de pessoas com mais de 60 anos que são referências na família cresceu mais de 50% entre os anos de 2001 e 2015, tendo aumentado de 5,88% para 9,2%. Isso reduz as possibilidades de investimento na própria saúde.
Em 2018, a Revista de saúde pública lançou um suplemento com vários artigos, fruto da colaboração ao ELSI-Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde dos Idosos Brasileiros) e de pesquisadores e gestores do Sistema Único de Saúde (SUS). Os resultados desta coletânea de artigos mostram importantes desigualdades sociais na maioria dos temas contemplados, com pior situação entre as pessoas mais pobres ou com nível de escolaridade mais baixo.
As desigualdades são observadas na prática regular da atividade física, na saúde oral, na limitação para realizar atividades básicas da vida diária, na fragilidade, no controle adequado da hipertensão arterial, na subutilização de medicamentos por motivos financeiros, na atenção à saúde e na capacidade para o trabalho.
Observou-se ainda que existe uma relação positiva entre nível socioeconômico e participação em atividades socioculturais e que alguns indicadores de uso e qualidade de serviços de saúde são melhores entre aqueles cobertos pela saúde suplementar, que apresentam melhores condições socioeconômicas (Lima-Costa, 2018; Sousa et al 2021).
De maneira geral, são brasileiros que chegam à velhice, mas com pouca ou nenhuma adesão a hábitos de vida saudável, sem o controle efetivo dos fatores de riscos à saúde, com baixa integração e participação social, com limitação funcional e pouco acesso a serviços que o auxiliam. Com isso não conseguem manter a habilidade funcional (determinada pela capacidade intrínseca de um indivíduo, pelo ambiente em que ele vive e pelas interações entre eles) e aproveitar as oportunidades que acompanham a longevidade.
O envelhecimento populacional é um grande triunfo da humanidade, mas no Brasil as pessoas mais pobres e com baixa escolaridade ainda estão distantes de atingir a máxima desta experiência: Viver mais e com boas condições de saúde.
É necessário implementar uma agenda de políticas públicas para o envelhecimento, ampla, condizente com as demandas, que garanta de forma equitativa a segurança econômica e a atenção à saúde ao longo do curso de vida, promovendo assim um envelhecimento saudável, onde todos os brasileiros chegam na velhice com habilidade funcional e usufrua das oportunidades que acompanham a longevidade.
Ana Felix
Gerontóloga, USP
ABG 390
Especialista em Oncologia Multiprofissional, Faculdade Albert Einstein.
Formação e vivência em Oncogeriatria.
REFERÊNCIAS
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