Seria mais simples prognosticar e cuidar dos idosos se o envelhecimento fosse um processo unidimensional e homogêneo, não é mesmo?
Seria como carregar um relógio ou outro dispositivo capaz de quantificar a passagem do tempo decorrido desde o nascimento. Com ele conseguiríamos resolver de maneira adequada às necessidades desta pessoa idosa que está aí contigo, da que está aqui comigo e da que está em qualquer lugar, pois bastaria considerar a idade cronológica para obtermos todas as informações necessárias para garantir um cuidado adequado. E por que não utilizar deste meio mais simples para prognosticar e cuidar da pessoa idosa?

Porque, cada vez mais, as pesquisas revelam que o envelhecimento possui dimensões que extrapolam a dimensão cronológica, o que resultaria na vivência deste processo de maneira diferente e única. Portanto, a idade cronológica não deve ser utilizada como fator isolado na avaliação e cuidado da pessoa idosa, pois não contempla a heterogeneidade do envelhecimento.
Dimensão Biológica
Com o envelhecimento a pessoa se depara com modificações biológicas, são transformações no organismo e que implicam em diminuição gradual da probabilidade de sobrevivência. Esses processos são interacionais, iniciam-se em diferentes épocas e ritmos e acarretam resultados distintos para as diversas partes e funções do organismo, ocorrendo de forma distinta para cada pessoa (Neri, 2008).
Dimensão Psicológica
Ao envelhecer, o ser humano precisa adaptar-se a situações novas, devido às mudanças evolutivas, que vulgarmente identificamos como ganhos ou perdas, sendo comum que as perdas aumentem com o passar da idade (Neri, 2008; Dantas et al, 2017). A capacidade para lidar com estas mudanças dependerá do grau de maturidade, autoestima, tolerância à frustração e da capacidade de envolver-se e de, sendo necessário, investir em objetos substitutivos. Caso essa maturidade não tenha ocorrido, o idoso terá mais chances de apresentar um psiquismo disfuncional na tentativa de solucionar os conflitos emocionais, o que pode refletir na maneira de ver e viver no mundo e até mesmo na perda de uma identidade corporal, uma vez que o corpo poderá passar a ser visto somente como depósito de coisas indesejáveis (como a dor), o que poderia justificar o descaso com a higiene e pouca adesão a tratamentos, pois não encontraria sentido no autocuidado ou em aceitar ser cuidado (Biasus, 2016).
Dimensão Social
O envelhecimento é também uma construção social: condições históricas, políticas, econômicas, geográficas e culturais produzem diferentes representações sociais (significados) para o envelhecimento e diferentes experiências de envelhecer. Mesmo nos dias atuais, o envelhecimento aparece associado à deterioração do corpo, ao declínio e à incapacidade, a doenças e perdas, à morte, ao afastamento e a dependência, a um processo contínuo de perdas, na maioria das vezes entendido como apenas um problema médico (Schneider et al, 2008).
Estas representações sociais acarretam mudanças em papéis e comportamentos para “adequação” de acordo com o que é normalmente esperado para as pessoas em determinadas faixas etárias (Neri, 2008). Esses papéis são alterados, especialmente, em razão da diminuição da produtividade, do poder físico e econômico, especialmente em países de economia capitalista (Dantas et al, 2017).
Observa-se adultos mais velhos ou idosos serem discriminados no trabalho, com o argumento de que o envelhecimento acarreta decadência intelectual e física. O velho passa a ser ultrapassado e descartado, sendo alvo de atitudes preconceituosas que determinam políticas e práticas sociais discriminatórias, segregadoras e rejeitadoras, podendo inclusive ser negado a eles apoio emocional, ajuda material e recursos terapêuticos.
A idade cronológica em si não determina o envelhecimento, ela é apenas um dos elementos presentes no processo de desenvolvimento, servindo como uma referência da passagem do tempo e auxiliando a prever, organizar e atender eventos que são comuns em determinadas etapas. Ela deve ser considerada na avaliação e cuidado da pessoa idosa, mas nunca como um fator isolado, pois ao esconder um amplo conjunto de variáveis biopsicossociais não permite um tratamento adequado.
A pessoa idosa que está aí, a que está aqui e a que está em qualquer lugar deseja ser valorizada e respeitada em sua totalidade e particularidades.
Ana Felix
Gerontóloga com foco em Oncogeriatria
ABG 390
REFERÊNCIAS
BIASUS, Felipe. Reflexões sobre o envelhecimento Humano: Aspectos psicológicos e relacionamento familiar Perspectiva, Erechim. v. 40, n.152, p. 55-63, dezembro/2016.
COSTA, E. F. A., & Pereira, S. R. M. (2005). Meu corpo está mudando o que fazer? In J. L. Pacheco, J. L. M. Sá, L. Py & S. N. Goldman (Orgs.), Tempo rio que arrebata (pp.13-25). Holambra: Setembro.
DARDENGO, C. F. R. Os conceitos de velhice e envelhecimento ao longo do tempo: contradição ou adaptação? Revista de Ciências Humanas, vol. 18, n. 2, jul./dez. 2018.
MAKDISSE M, Oliveira A. Avaliação do paciente idoso e muito idoso. Avaliação clínica pré-operatória: risco cirúrgico/ Rui Povoa - Rio de Janeiro: G koogan, 2006, 158-63.
MARTIN DANTAS, E H; DE SOUZA SANTOS, C. A.. Aspectos biopsicossociais do envelhecimento e a prevenção de quedas na terceira idade. Joaçaba: Unoesc, 2017.
NERI, A. L. Palavras Chaves em Gerontologia - Campinas, SP:Editora Alínea, 2008. (Coleção Velhice e Sociedade) 3 edição.
SCHNEIDER, R. H.; IRIGARAY, T. Q. O envelhecimento na atualidade: Aspectos cronológicos, biológicos e sociais. Estudos de Psicologia, Campinas, ano 25, n. 4. 2008.
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