Há apenas dois séculos atrás não esperaríamos viver além dos 50 anos. Aliás, chegar aos 50 já seria um grande feito, algo destinado a pouquíssimos privilegiados. Hoje, em grande parte do mundo, já podemos esperar chegar perto dos 80, quando não os ultrapassar! Nunca tivemos tantos centenários habitando nosso planeta.
Nessa busca, cinco regiões do mundo se destacaram: Sardenha, na Itália, com a maVivemos em plena “Revolução da Longevidade”, termo bastante utilizado por um dos maiores expoentes brasileiros no assunto, o Dr. Alexandre Kalache, e isso nos traz uma imensa responsabilidade: precisamos reformular a forma como significamos e vivenciamos o processo de envelhecimento, tanto em termos individuais quanto comunitários e sociais. Para isso faz-se necessário nos despirmos de antigos e arraigados conceitos e preconceitos que envolvem o nosso imaginário coletivo a respeito do envelhecer.
A longevidade humana, fruto de tantos avanços em tantas dimensões do nosso viver, trouxe consigo a necessidade de ressignificarmos a realidade das sociedades, projetando o amanhã que queremos para todos nós, no qual seja possível vivenciarmos uma longevidade plena, saudável, ativa, inclusiva e recheada de vida. Para isso, precisamos compreender essa nova realidade e abandonar tantos mitos e fantasias negativas que crescemos ouvindo sobre o envelhecer.
Em 2018, o admirado empresário Abílio Diniz iniciou seu TEDx talk lançando à plateia o seguinte questionamento:
”Quando foi a última vez que vocês fizeram alguma coisa pela primeira vez?”
Ouvir esse questionamento de um homem que a época tinha 81 anos nos causa um tremendo impacto! E sabe por quê? Um dos grandes estereótipos que envolve uma pessoa considerada idosa é o de que ela não está nem interessada e nem apta ao novo! Como assim alguém com mais de 80 anos está me propondo fazer algo pela primeira vez?
Além dessa ideia preconcebida de que idosos não estão dispostos ou naturalmente têm muita dificuldade para novos aprendizados, existe ainda a crença de que os idosos certamente desenvolverão algum tipo de demência ou perda cognitiva. É bem verdade que a idade é um fator de risco para o desenvolvimento de demências e doenças relacionadas, assim como um estilo de vida pouco saudável ao longo da vida também é, mas perder memória e outras funções cognitivas não faz parte de um processo de envelhecimento normal. Aliás, um dos conceitos mais bonitos relacionados à longevidade é justamente o conceito de lifelong learning, isto é, aprendizagem ao longo da vida ou aprendizagem em vida longa (“long life learning”), como cunhou o estudioso e entusiasta do assunto Jeff Hamaou.
Outro mito bastante comum é o de que os idosos são necessariamente doentes e frágeis. Aqui, novamente, temos a idade sim como fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas, mas não como uma sentença. E, novamente, falamos da idade caminhando ao lado de outros fatores de risco relacionadas a maus hábitos de vida, como o sedentarismo, o tabagismo, o consumo de alimentos inapropriados e o consumo excessivo de álcool. Os mesmos fatores de riscos que podem levar ao aparecimento de hipertensão arterial, colesterol elevado, diabetes, obesidade, problemas cardiovasculares e câncer também podem ser relacionados às demências. Daí a importância de nos preocuparmos com o nosso autocuidado ao longo de toda a nossa jornada!
Outro conceito errôneo extremamente perigoso e que leva muitos idosos a conviverem com sofrimentos desnecessários é o de que a dor faz parte de um envelhecimento normal. E aqui é muito importante frisar: envelhecer não dói e não tem que doer! Doenças causadoras de dores diversas são sim mais comuns conforme envelhecemos: doenças osteoarticulares e osteomusculares (como artrites, artroses, lombalgias crônicas), complicações dolorosas de doenças como diabetes, doenças vasculares e câncer. No entanto estão relacionadas a processos de adoecimento e não ao envelhecimento normal. A dor deve nos chamar a atenção para a necessidade de buscar auxílio médico, pois sinaliza que algo não vai bem em nosso corpo e precisa ser cuidado. A prevenção de doenças relacionadas ao desenvolvimento de dor também passa pelo cultivo de bons hábitos de saúde ao longo da vida, o que nos faz pensar que, em grande parcela, podemos escolher como desejamos envelhecer.
E, ao contrário do que muitos pensam, e aqui já podemos aproveitar para colocar abaixo outros mitos, nunca é tarde para modificarmos nosso estilo de vida, adquirirmos hábitos alimentares mais saudáveis e iniciarmos a prática de atividades físicas. É verdade que o envelhecimento está relacionado a mudanças na composição corporal que fazem com que ocorra aumento na massa de gordura corporal e diminuição da massa muscular, mas isso não reduz a importância e a possibilidade de se alcançar inúmeros benefícios relacionados à prática de atividades físicas. Para pessoas idosas, manter atividade física regular é ainda mais importante, pois além de prevenir diversas doenças, também reduz o risco de quedas e fraturas, auxilia na manutenção da saúde mental e preserva a vitalidade e a independência.
Existem inúmeros outros mitos que envolvem nossas percepções culturais, por tanto tempo alimentadas em nós, a respeito do envelhecimento e não nos faltarão oportunidades para abordá-los. Mas a mensagem mais importante que queremos deixar aqui para reflexão é a premente necessidade de entendermos que não existe um idoso típico, estereotipado e nem uma única forma de envelhecer. Envelhecer, assim como viver, é diverso, é amplo e é cheio de possibilidades. Envelhecer em uma sociedade longeva deve ganhar outras cores e outros significados nos quais possam aflorar todas as dimensões do ser em qualquer etapa do viver. Vamos celebrar o respeito a toda trajetória de ser!
Polianna Mara Rodrigues de Souza
Médica Geriátra
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